Resenha do Livro “O Espírito Santo, fogo interior, doador da vida e Pai dos Pobres”

por Leonardo De Laquila

O livro “O Espírito Santo, fogo interior, doador da vida e pai dos pobres”, escrito pelo Teólogo Leonardo Boff, busca refletir e fazer uma análise da compreensão da figura do Espírito Santo juntamente com o seu papel durante a história.

Esse texto se apegará a uma de tantas facetas do livro. Aqui trataremos da ação do Espírito junto à vida do ser humano e quais desafios Ele evoca naqueles que se deixam tocar por Sua realidade.

Boff inicia seu livro buscando recordar a característica inventiva e dinâmica de Deus e de como o Espírito nos obriga, para apreendê-lo adequadamente, a pensá-lo a partir de categorias que não deixe que se perca aquilo que Ele é.

“Deus, Cristo, a graça e a Igreja foram pensados dentro de categorias metafísicas de substância, de essência e de natureza. Portanto, por algo estático e sempre já circunscrito de forma imutável. É o paradigma grego feito ocidental pela teologia Cristã” (p.10)

A busca de novos paradigmas de compreensão sobre a realidade desse Deus dinâmico e inventivo vem de encontro com a proposta do Concílio Vaticano II que reconhece o “Espírito de Deus” como aquele “que dirige o curso da história com providência admirável, renova a face da Terra e está presente na evolução” (Gaudim et Spes, 26/281).

Deus está presente e atuante na história. Sua presença permeia todas as realidades e sua ação revela a sua face e seu modo de ser. Muitas são as correntes que se ocupam em traçar o Ser de Deus a fim de melhor expressá-lo. Quando esse movimento de conceituação se torna inflexível, dentro de um fundamentalismo radical, incorre-se no perigo de expressar a projeção racional de desejos ou compreensões pessoais do ser de Deus. O rigorismo reduz a complexidade de Deus a uma categoria mental que não condiz com a sua liberdade.

Como contrapartida a essa leitura fundamentalista, surge o experiencialismo. Aqui, faz-se apologia a todo tipo de experiência que em si deve ser valorizada e respeitada. Mas se não vier acompanhada de discernimento, incorre-se no perigo de cair na particularização e  psicologização do Ser de Deus. Assim, Deus se torna o Deus dos escolhidos, daqueles que são “capazes de experimentá-lo” e não um Pai que age e se autorrevela na vida de toda a humanidade e que nos leva a se comprometer com o Seu Projeto.

Algo que podemos reconhecer em meio à História da Salvação é que Deus se revela a todos que o procuram. A vida humana é habitada por energias, algumas para a morte, outras para a vida e a ressurreição. Mas a característica principal do ser humano, como nos recorda o autor, é o fato de ser portador de consciência, de inteligência, ou seja, do espírito.

“O espírito permeia todo o universo, desde o seu primeiro momento de emergência. Mas no ser humano ele se torna autoconsciente e livre. ” (p.66)

O ser humano é portador privilegiado do espírito e, por isso, consegue se comunicar com Deus e expressá-lo em sua própria vida. O amor é a expressão maior da presença do espírito no ser humano. Por ele, busca-se o encontro com o outro. “É uma entrega que se assemelha à morte, porque é uma entrega incondicional que permite o eu se fundir com o tu” (Pg. 67). O homem-espírito, dentro da tradição da Sagrada Escritura, é um ser para os outros, aberto ao amor e especialmente aberto a Deus e a tudo o que é sagrado.

O que se opõe ao espírito, como nos explica o autor, não é a matéria, mas um outro espírito, um antiespírito, que se rege pelo egoísmo, pela dureza de coração, pelo legalismo, pela impiedade e pela manipulação do sagrado para autopromoção ou vantagens pessoais. Esse é o homem-carne que, fechado sobre si mesmo, sem considerar os outros, exclui e inflaciona o eu a ponto de continuamente se autorreferir.

Visitando o pensamento de Paul Tillichi, Boff recorda que o ser humano, para realizar-se plenamente em sua existência, precisa aprender a correlacionar sua busca com os impulsos divinos. O Espírito quer iluminar a mente humana e, com isso, seus pensamentos, escolhas e ações.  Para isso, é preciso romper com a visão dualista da realidade para, então, conciliar e reconhecer a presença dinâmica de Deus em todas as coisas.

Toda realidade é ambígua, diz Tillichi. Tudo tem sua essência e sua existência. A essência é o lado ideal e puro da realidade. Ela existe em nossa compreensão. A essência de uma árvore, aquilo que a difere dos outros seres, está presente nas inúmeras características que realizam os diferentes tipos de árvores. Aí entra a existência. É a forma que cada árvore possui na realidade concreta. Mas como aplicar essa dinâmica ambígua ao Ser de Deus e à ação de seu Espírito em meio à constante busca de realização do ser humano? “A mensagem cristã produziu três símbolos principais para expressar a vida sem ambiguidade: o Espírito de Deus, o Reino de Deus e a Vida eterna” Afirma Tillichi e seu livro Teologia Sistemática (p. 467).

O Espírito Santo é presença da Vida Divina na vida da criatura. Ele é o Deus presente e atuante na história e é pelo Espírito que essa realidade se concretiza. Presença não significa um simples estar-aí, mas a capacidade de Deus de penetrar e sacramentar a realidade concreta como uma Presença Espiritual. Essa realidade se realiza primeiro no espírito humano que vive a dimensão da fé e do amor, e que, desta, forma experimenta uma superação dessa dualidade ambígua.

O Reino de Deus é a concretização do projeto de amor sonhado por Deus. Esse projeto de um Reino onde as relações são pautadas pela equidade proveniente do amor é antecipado gradualmente pelo Espírito à medida que sua ação toca o ser humano e o movimenta. Desse movimento inspirado pelo Espírito emerge um novo olhar sobre as coisas, um olhar transparente, sem ambiguidades, que suscita no humano o desejo de participação na vida de Deus que se dá na restauração do seu Reino de Justiça e Paz.

Assim, escreve Boff:

“A ação pelos pobres contra a pobreza tem aqui a sua fundamentação teológica. O Espírito está infalivelmente do lado dos pobres, independentemente de sua situação moral, porque são privados de vida e o Espírito quer lhes dar a vida. Mas Ele não tem braços a não ser os nossos. Por isso impele a criar condições de vida para esses empobrecidos e para os condenados a assistir à morte de seus filhos e filhas inocentes, por fome e em consequência de doenças e da fome” (p. 221).

O Espírito é de liberdade e de libertação. E essa realidade nos foi evidenciada pelo próprio Verbo de Deus encarnado. Primeiramente, Jesus libertava de uma representação de Deus, juiz feroz e perscrutador de tudo. Em seu lugar, anunciou um Deus-Pai de bondade, cuja característica principal é ser bom e misericordioso, até para os ingratos e maus (Lc 6,35). Jesus apresenta um Deus que está ao lado dos que sofrem e nos convida a sanar o sofrimento através da prática do amor e da justiça. É o amor que nos faz humanos, em nível pessoal e social. Ele é fonte da realização e da felicidade.

Portanto, o Espírito nos suscita a participar da vida de Deus e de seu projeto. Ele envia os seus Dons para nos ajudar nessa peregrinação, se fazer servidor de sua criatura e permanecer em intimidade com ela. Não é preciso pensar no Espírito para estarmos no Espírito. Se fizermos tudo no amor já estamos objetivamente Nele, já que é o Espírito que nos conduz a essa dimensão.

Referência:
BOFF, Leonardo. O ESPÍRITO SANTO, fogo interior, doador de vida e Pai dos pobres. Petrópolis: VOZES, 2013.

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