Acampamento da Juventude Romeira: relatos do coração

*Por Giovanna Araújo (Dijó)

No final de semana dos dias 12 e 13 de maio, o Movimento Juvenil Dominicano de Porto Nacional teve a oportunidade de participar do III Acampamento da Juventude Romeira – Semana da Terra e das Águas Padre Josimo. O sábado teve inicio com um momento muito rico em que foi possível ter o primeiro contato com os diferentes jovens, de diferentes lugares, com experiências de vida diversas, mas com um aspecto comum: o amor e respeito pela vida e trajetória do Padre Josimo.

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“Cajueiro pequenino 
Carregado de fulo
Eu também sou pequenino 
Carregado de amor”

Cantando nos propuseram a ir de encontro às pessoas que não conhecíamos, e assim foi possível saber – mesmo que de forma superficial – de onde cada um vinha, o grupo que representava, sua luta etc. A partir daqui começamos a saborear e prever o quanto esse acampamento nos traria bons frutos.
Após um delicioso rango, era hora de partir para as oficinas que tinham como temas: Política e Juventude, Agroecologia, Comunicação Popular e Juventude e Igreja.
Eu fui direcionada a participar da oficina de Comunicação Popular que foi dirigida pelo companheiro de vida e de grupo, Rafael Oliveira. Éramos cerca de 46 jovens participantes, e inicialmente nos foi questionado qual o nosso entendimento sobre “Comunicação Popular”. Durante os primeiros questionamentos, concluímos que as redes abertas de televisão, tais como a Globo e o SBT são grande inimigas do povo, pois detém o poder de manipulação, fazendo com que na maioria das vezes tenhamos conhecimento dos fatos de forma limitada, e se nós nos apegarmos somente aos noticiários transmitidos por essas redes de comunicação, acabamos sendo influenciados a notícias que nem sempre são verídicas.

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Após analisarmos um vídeo, e discutirmos sobre o quanto a Comunicação Popular é importante para as comunidades de base, dividimos os participantes em quatro grupos, onde cada um ficou com a responsabilidade de discutir em grupos menores quatro perguntas, que foram as seguintes: Como a comunicação tradicional interfere na minha vida? Como eu posso fugir dessa comunicação tradicional? Eu conheço algum tipo de comunicação popular/alternativa? Como eu gostaria que os meios de comunicação retratassem a minha realidade?

Posteriormente cada grupo teve a oportunidade de partilhar suas ideias, sendo que em unanimidade os grupos relataram sobre como a influencia da comunicação tradicional pode ser altamente prejudicial quando não temos conhecimentos dos fatos. Destaco aqui sobre como hoje os nossos movimentos sociais são criminalizados pela mídia opressora, e sobre como isso afeta diretamente as nossas atividades em prol da justiça social e do bem comum. Durante a oficina pude conhecer um pouco sobre meios de comunicação popular promovidos por jovens que estavam ali no nosso meio, sendo um dos projetos o “Jovem em comunicação” que faz cobertura de eventos de suas comunidades locais, e de eventuais programações em que são convidados a participar, eles registram com fotos, vídeos, relatos e posteriormente compartilham no blog e página do facebook, confiram: https://jovensemcomunicacao.wordpress.com/.

Minhas companheiras de acampamento participaram de oficinas diferentes:

 “Na tarde de sábado, eu e Laides participamos da oficina ‘Juventude e Agroecologia’, conduzida pelos integrantes da APA-TO, Yuki Ishii e Palmeira Júnior. Com o intuito de nos conhecermos, cada participante fez a sua apresentação, salientando qual era o seu contato com a agricultura. Em seguida, Yuki nos entregou um grão de milho e um grão de soja, nos convidando a refletir sobre esses dois alimentos e o que cada um deles representa; as palavras usadas pelos participantes para caracterizar esses alimentos foram colocados em sua volta, formando dois ciclos, o que nos permitiu visualizar a distinção entre agricultura familiar e agronegócio.

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Durante a roda de conversa, foram apresentados dados que explicitam quão contaminados são os alimentos que consumimos, visto que o Tocantins é apontado como um dos estados brasileiros que mais consome agrotóxico e no cenário mundial, o Brasil também ocupa uma posição notável. É válido ressaltar que dos 50 agrotóxicos mais utilizados no Brasil, 22 são proibidos em países europeus, por conta dos danos causados à saúde. Jovens do campo e da cidade mostraram-se bastante participativos e envolvidos com a temática abordada, notando o importante papel da Agroecologia nesse contexto, pois se trata da união entre agricultura e ecologia, mantendo o meio em equilíbrio. Após esse momento de diálogo, nos dividimos em grupos menores para discutirmos sobre o compromisso da juventude em disseminar a agroecologia no cenário em está inserido. No decorrer da partilha, jovens expressaram frases de manifesto, repudiando a visão benéfica do latifúndio, que a mídia tenta propagar. ‘Se a gente não sabe o que vai comer, não sabe se vai viver’ e ‘Comer alimento saudável não é privilégio, é direito’, foram umas das proferidas.”
[Thamires Ramalho – Coordenadora do MJD Santo Antônio]

A noite foi de palpitar o coração. Fizemos uma mística profunda em memória a Josimo, e ali em uma grande roda acendemos velas enquanto ouvíamos sobre seu legado e sua missão que agora também é nossa. Em seguida, caminhando fizemos uma grande romaria rumo a nossa Noite Cultural que aconteceu na quadra de esportes da Vila Tocantins – Esperantina. A gente passava e o povo olhava aquele tanto de jovens segurando estandartes e banners com o rosto de Josimo e de tantos outros mártires que morreram pela luta da terra dos menos favorecidos. Esse momento aqueceu o coração e aumentou a vontade de juntos sermos cada vez mais um pouquinho do que Josimo a exemplo de Cristo foi.

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A noite cultural foi recheada de apresentações. Teve dança, teatro, cordel, encenação, forró e muita alegria. O povo que não estava no acampamento se aproximou, uns sentaram conosco, outros mais tímidos ficaram nas muretas das quadras, mas estavam todos ali, atentos ao que esse bando de jovens estavam fazendo.

No outro dia cedo lá estávamos nós, comendo um cuscuz feito com muito amor pra repor as energias e tomar coragem pra apresentar aos outros aquilo que tínhamos aprendido nas oficinas. O grupo de Comunicação Popular, do qual fiz parte, decidiu apresentar em forma de um “vlog na TV” – uma mistura inventada na hora pra gente mostrar nosso espírito blogueirinho de ser. O vlog foi batizado com Carioquinha 123 – pra fazer memória de um amigo que infelizmente não pôde estar fisicamente no acampamento – e foi dividido em duas partes: a primeira em que a entrevistadora questionava que tipo de comunicação popular os jovens convidados ao programa  exerciam, e a segunda parte  um quadro chamado “pergunta que eu respondo”, em que a entrevistadora fazia contato com uma repórter que estava no local do III Acampamento da Juventude Romeira e tinha três perguntas para fazer aos convidados. Foi uma maneira criativa e simples que encontramos em mostrar que a Comunicação Popular é importante para autonomia das comunidades de base, sobretudo porque a partir da comunicação podemos dar visibilidades às causas que defendemos.

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 “O grupo de Juventude e Agroecologia resolveu apresentar os dois ciclos criados durante a oficina: o Ciclo do Agronegócio, representado pela soja e o Ciclo da Agricultura Familiar, representado pelo milho. Após apresentar essa disputa de modelos, os jovens leram uma poesia (trecho a seguir), escrita por Igor de Carvalho:

Precisamos saber aproveitar a árvore
que tem tronco, frutos e sombra.
Mas não deixemos ir embora a floresta
pelo mero poder da compra.
Precisamos da agricultura, da ecologia
e unir os valores pra criar
uma nova forma de pensar
chamado agroecologia'”
[Thamires Ramalho – Coordenadora do MJD Santo Antônio]

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Pra finalizar o acampamento tivemos uma missa linda presidida por Dom Giovane, momento este em que ele aproveitou a oportunidade para parabenizar a equipe organizadora, bem como a articulação dos jovens. Ficou muito feliz em ver que muitos jovens que estavam no III Acampamento já haviam participado das outras edições e tem dado continuidade a esse momento lindo. Nossa companheira de vida e de grupo, relata um pouco do que o acampamento significou para ela:

“Tive a oportunidade de participar do III acampamento da juventude Romeira, pela primeira vez, onde vivi a história de luta do padre Josimo.
O acampamento foi um momento de animação, descontração, mas também de reflexão, pois cada depoimento contado sobre o padre Josimo me emocionava. Foi um homem que viveu ao lado do povo, era defensor dos lavradores indefesos, dos povos oprimidos que viviam nas garras do latifúndio. Josimo, ‘padre negro de sandálias surradas’, um herói que questionava que se sua voz fosse calada, quem defenderia o povo? Quem lutaria em seu favor?
No acampamento além da grande homenagem que se fez ao padre Josimo, mostrou também aos jovens que ali estava a importância de se fazer memória para continuar a resistência que o padre Josimo tanto defendeu. Josimo vive!”
[Laides Alves – Promotora de Finanças do MJD Santo Antônio]

Saímos do acampamento com a vontade de ficar. Josimo vive, Josimo está presente, e com essa certeza seguiremos com todas as experiências e ensinamentos no coração. Esse relato não é nem de longe quão prazeroso foi estar no meio daquela gente que agrega, soma, sonha e realiza. Os sistemas de dominações podem nos oprimir, mas nunca conseguirão nos calar.

* Promotora de Missão e Caridade do MJD-BR

A mão de Deus nos une e liberta

por Romi Bencke*

O tema da Semana de Oração para a Unidade Cristã nos convida e provoca a afirmarmos, pela oração, a fé em um Deus de unidade e de liberdade. A inspiração para tal vem do texto de Êxodo 15.1-21. Este texto apresenta um cântico, entoado por Moisés, que recupera a libertação do povo hebreu da escravidão do Egito.

São interessantes as imagens apresentadas pela narrativa do texto. A libertação do cativeiro representou o abalo do principal alicerce para a economia do Egito, que era o trabalho escravo dos povos subjugados pelos exércitos do Faraó e de pessoas que não tinham condições econômicas e sociais para garantir a sua liberdade.

Para que o povo alcançasse a sua libertação foi necessário organização, fidelidade a Deus, porém não ao Deus do opressor, mas em Deus da libertação.  A libertação provavelmente foi consequência de um processo de observação, diálogo, avaliação dos riscos aos quais as pessoas seriam expostas. Não foi algo que aconteceu de forma mágica.

O abalo do sistema baseado no trabalho escravo é descrito neste cântico de Moisés pela imagem do cavalo e cavaleiro precipitados ao mar. “Descem qual pedra, ao fundo”, canta Moisés. O mar os cobriu. Se finda, assim, para este povo um tempo de opressão. A expectativa é a de uma nova sociedade que não se ancore na escravidão.

Quando as Igrejas do Caribe prepararam esta Semana de Oração pela Unidade Cristã, elas olharam para a história das ilhas caribenhas e para as principais características do sistema colonialista desenvolvido na região. Entre as muitas características, a escravidão foi uma delas. O trabalho escravo foi um pilar importante para que as potências colonialistas extraíssem as riquezas. Outra caraterística do colonialismo foi o de utilizar a bíblia como um instrumento de subjugação. A escravidão era justificada pela bíblia. Da mesma forma também o racismo era justificado pela bíblia.

O que as igrejas do Caribe nos provocam a refletir é que não há como aceitar uma legitimação religiosa para a escravidão. Assim como no Egito, também hoje, é necessário desconfiar e romper com os sistemas que se alicerçam na exploração degradante do trabalho humano.

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão no continente americano. No entanto, o término formal da escravidão não significou para as pessoas escravizadas melhoria de vida. Elas continuaram sofrendo o racismo, a falta de perspectiva de trabalho digno. O sistema econômico continuou tendo na baixa valorização do trabalho humano o seu principal meio de acumulação de riquezas. Nos últimos anos, em nosso país, tramitam projetos leis que querem flexibilizar a caracterização do trabalho análogo à escravidão.

Nesta Semana de Oração pela Unidade Cristã queremos, afirmar que a unidade cristã é uma realidade possível, da mesma forma, queremos anunciar que humilhação de seres humanos para que alguns enriqueçam é absolutamente contrário à vontade de Deus.

Este Deus amoroso que se manifesta em Jesus Cristo e no Espírito Santo nos provoca a não aceitarmos os projetos colonialistas atuais. Qualquer projeto econômico e social que se alicerça na desqualificação do trabalho humano e na exploração de seres humanos é radicalmente contrário ao Deus da libertação. Motivo pelo qual, um dos desafios para nossas igrejas é o de denunciarmos tais projetos e termos capacidade de discernimento para que não nos tornemos cúmplices deles.

A mão de Deus nos une para um testemunho cristão comprometido com as causas da justiça e nos liberta da apatia, da conveniência do silêncio e da cumplicidade com os sistemas de exploração da força do trabalho e da natureza.

* Pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e secretária Geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC.

A mão de Deus nos une e nos liberta: uma leitura orante

por Akira Fugimoto*

No nosso sétimo dia da Semana de Oração pela Unidade Cristã, mergulharemos no texto bíblico que vem nos conduzindo durante este período de troca de experiências e de reflexão sobre a temática da escravidão contemporânea.

O texto escolhido pelas igrejas do Caribe foi extraído do livro do Êxodo. Este livro do antigo testamento nos recorda três períodos que os israelitas passaram. O primeiro como este povo viveu como escravos no Egito; a caminhada do povo pelo deserto e a última parte trata da experiência no monte Sinai. O trecho deste ano, Ex 15, 1-21, está inserido no fim da primeira parte, quando o povo sai do Egito, libertando-se da escravidão.

A “Canção do mar”, retrata toda a epopeia que o povo de Israel viveu para sair do Egito. Moisés e Miriam com este canto, louvam e bendizem a Deus, pois sabem que este era o plano Dele para eles, a liberdade. Não importa a quantidade de soldados e poder do Faraó, a vontade de Deus era que seu povo vivesse livre.

No texto sagrado, Moisés e Miriam colocam nas mãos de Deus a vitória sobre a escravidão. “A mão de Deus nos une e liberta”. A libertação do povo trouxe consigo esperança e promessa. Esperança que um novo tempo chegaria aos israelitas, e a promessa que Deus sempre estaria ao lado de seu povo, e nenhum inimigo seria soberano aos objetivos que Ele tem para com seus filhos.

A experiência de liberdade se deu em um momento de superação e esta superação só foi possível na unidade. A fuga do Egito é um momento chave na constituição do povo de Israel e consequentemente na nossa formação como cristãos. O clímax desta epopeia vivida pelo povo judeu tem seu ponto alto na encarnação e mistério pascal de Jesus Cristo. Deus embora seja o motivador e autor de todas as coisas, envolveu e continua envolvendo as forças humanas para realizar seus projetos de vida. Como batizados e batizadas, participamos do mistério divino, e com a intervenção divina possamos superar nossas divisões e com unidade consigamos ser extensões de Cristo nesta sociedade que ainda necessita superar a escravidão e se libertar.

* membro do Movimento Juvenil Dominicano (Curitiba/PR)

 

Uma semana para alimentar o convívio e a liberdade

por Gregório Leal Oliveira*

Estamos vivendo mais uma Semana de Oração pela Unidade Cristã, e neste ano somos motivados pelas Igrejas do Caribe a trabalhar o tema: “A mão de Deus está semeando em nossa terra, plantando sementes de liberdade, esperança e amor”. E em tempos de carestia que a sociedade mundial continua vivendo, o ecumenismo tem agido como agente transformador de ideais que geram morte em ideais de vida e libertação.

Ao se pensar em libertação, o fator ecumênico não pode estar desconectado, pois a própria liberdade só tem sentido quando pensada para todos(as), precisa-se ir além das diferenças políticas, culturais, geográficas e eclesiais, tanto que hoje já falamos em macro ecumenismo, em que as ações que buscam reconciliação, transformação, amor ao próximo e libertação, vão além do próprio cristianismo. O Arcebispo emérito da Igreja Anglicana da África do Sul, Dom Desmond Tutu, escreveu um livro em que o título é “Deus não é cristão”, pois na sua concepção se reduzirmos Deus somente ao cristianismo, estaremos também reduzindo a Deus, reduzindo seu onipotente amor para com toda a Criação, seus filhos e filhas.

O Apóstolo Paulo quando escreveu aos Romanos no capitulo 10º, versículo 12, diz “Porquanto não há diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam.” O recorte desta epistola nos mostra que o ideal de igualdade e de que Deus é para todos sem distinção, torna-se uma das bases do Cristianismo, e que batizamos de Ecumenismo inspirados na palavra grega “oikouméne” que significa mundo habitado, toda a terra… e que advém de “oikos” que significa casa, lugar onde se vive. Dessa forma, o nosso compromisso com a libertação vai muito além das barreiras e limites criados por nós, em nossos quintais. Deus nos chama a transformar e libertar a toda Criação que habita neste lugar incrível que recebemos para viver, e quando o CONIC nos chama para uma semana de oração e convívio intensivo, nos mostra que é possível viver em harmonia os Cristãos de diversas denominações religiosas, que somos filhos e filhas do mesmo Pai Celestial, que um novo olhar libertador é possível entre nós, e que aquilo que nos une é muito maior que o que nos separa. Um dos teóricos da teologia da libertação, chamado Rubem Alves, tem um pensamento muito interessante e que deve ficar em nossas mentes e corações ao refletirmos o Ecumenismo e a Libertação, ele diz “Deus nos deu asas, mas as religiões inventaram gaiolas”. Que possamos transpor essa semana para nossa vida inteira e que o ecumenismo, e a libertação que vem de Deus estejam em nossas pautas continuamente.

* Postulante da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil

Juventude missionária na luta contra o trabalho escravo

por Bárbara Dias*

Liberdade roubada, dívida forjada, jornada exaustiva, condições degradantes, humilhações e violências físicas e psicológicas, essa ainda é a realidade de milhares de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. O trabalho escravo contemporâneo pode existir debaixo de nossos olhos, com nosso vizinho, com nossos amigos, com um parente ou com um desconhecido. No ambiente urbano ou rural, nós, juventude missionária, precisamos estar atentos, abertos para ouvir com o coração, para saber que há algo de muito importante no que o outro nos fala e, assim, acolher e fazer parte dessa luta que há mais de 500 anos vem sendo travada contra a escravidão.

Expostos a realidades de extrema vulnerabilidade econômica e social, homens e mulheres, movidos pela necessidade de buscarem no trabalho meios de sobreviver, caem nas armadilhas das diversas máscaras da superexploração do capitalismo. Hoje, vendida pela mídia tradicional como “Pop”, o agronegócio é um dos maiores responsáveis pela escravidão contemporânea, que constantemente expulsa e rouba as terras dos povos que dela vieram e dela precisam para viver. Com o discurso de desenvolvimento e progresso, des- envolvem as famílias antes enfronhadas em seus territórios tradicionalmente ocupados, para envolve-las nos processos de exploração dos grandes empreendimentos, das grandes empresas de mineração, de madeireiras e para a expansão dos monocultivos que destrói florestas inteiras, envenenam rios e a comida posta sobre nossas mesas.

Durante a ditadura civil-militar, o governo brasileiro promoveu uma forte campanha de “ocupação” da região amazônica. Com o discurso de que era “Terras sem homens para homens sem terra”, atraiu diversos trabalhadores e trabalhadoras, vindas, principalmente, do nordeste, em busca da terra prometida, onde havia “leite e mel” com fartura. Simultâneo a isso, o governo deu generosos incentivos fiscais para grandes empresas, nacionais e multinacionais, para investirem na agropecuária, no agronegócio. Essas mesmas empresas, conhecidas mundialmente, como a Volkswagen, não apenas desmataram milhares de hectares no meio da Amazônia, elas também foram responsáveis de tornar esses trabalhadores escravos, de explora-los e violenta-los como podiam.

Hoje, essa realidade na Amazônia e em outras regiões do país não se difere muito dos tempos sombrios da ditadura. O governo brasileiro anda de braços dados com a poderosa bancada ruralista, e os incentivos para a expansão das fronteiras do agronegócio estão a todo o vapor. Fecham os olhos para as violações ambientais e sociais, atropela povos indígenas e comunidades tradicionais, e tentam calar a voz daqueles que lutam por mais igualdade e justiça. Precisamos ficar de olho aberto também no que consumimos, de onde vem, como é produzido. Hoje, é possível verificar na “Lista Suja” empresas e fazendas responsáveis de cometer esse tipo de violência contra a humanidade, que não só acontece nos interiores de nosso país, onde dificilmente temos acesso, mas também na indústria da moda e nas construções civis dos grandes centros. Fiquemos atentos, ontem, hoje, agora e sempre!

Somos juventude em ação, na luta por terra, justiça e paz.

* agente do Conselho Indigenista Missionário- Norte II

Juventude Rural, Trabalho Escravo e Igreja Cristã

por Brígida Rocha dos Santos*

A Semana da Oração pela Unidade Cristã é o despertar para amar ao próximo, respeitando idades, religiões, espiritualidades, ancestralidades e suas expressões. Permitamo-nos então, passar pelo processo de sensibilização e mobilização de cristãos contra o trabalho escravo, considerando que de 1995 a 2017, foram mais de 50 mil trabalhadores e trabalhadoras resgatadas, entre estes 17.590 foram pessoas com faixa etária entre 13 anos a 29 anos de idade. Trabalho Escravo, que viola não somente direitos trabalhistas, onde os escravagistas são em maioria de grandes empresas, projetos e convênios de Estado descompromissados com o povo, são grileiros e fazendeiros. É o agronegócio, mineração, construção civil e grandes empreendimentos que desterritorializam pessoas, como o MATOPIBA que mata tudo para o crescimento da soja e ainda utilizam juventude rural para devastar recursos naturais e a escraviza nas obras, atormentam familiares e as comunidades com impactos socioambientais, despejos, expulsões, grilagens, destruições de rios, florestas, roças, plantios, casas e ainda acabam com estradas vicinais, dificultando percursos para as escolas e ao escoamento de produções das famílias.
Reflete-se que diante de raras politicas sociais e politicas públicas, aumentam os riscos de existir ainda mais juventudes escravizadas. São opressões políticas, cooptações de lideranças e corrupção eleitoral, tudo atinge a juventude rural e correlaciona-se ao trabalho escravo. Juventude que sofre as consequências do trabalho escravo desde a gestação e infância, com ausência e sofrimento dos pais. Em cada geração, o crime com diferentes roupagens e cenários.
Por que não há incentivos de educação popular e escolarização de qualidade para a juventude rural?
Possivelmente temem a rebeldia dos jovens contra aqueles que os oprimem. Sim são jovens quilombolas, são povos indígenas, são assentados/as, acampados/as e outros que se identificam jovem do campo, mesmo que pelas circunstancias da vida estejam mais tempo na cidade. São muitos que ainda sofrem com o trabalho escravo, ameaçados/as de morte, violências físicas, psicológicas, sexuais e identidades abaladas.
Juventude do campo mais uma vez vitima das violências e crimes, sobrevivendo com a esperança, fé e união em Deus, com distintas rebeldias e resistências às opressões, a cada geração, superando desafios, independente de idade, raça, cor, gênero, religião, cultura e nacionalidade.
Vamos superar a imigração forçada, o aliciamento, o tráfico, e ás vulnerabilidades das famílias para combater o trabalho escravo?
A juventude rural e igreja cristã, manifesta a luta contra o crime de trabalho escravo, reconhecendo que há jovem emigrante buscando refúgio e imigrante em busca de proteção. Una-se aos trabalhadores/as brasileiros/as e estrangeiros/as que ainda jovens passam pelas diversas formas de aliciamento e tráfico para a escravidão, sim Escute, Observe, Acolha e Denuncie.
Oramos para que ocorra mais fiscalização independente de denuncias, que a bancada ruralista pare de reforça suas cercas, desconfigurar legislações e inviabilizar as ações institucionais do Trabalho. Pois a redução de denúncias e de trabalhadores resgatados não significa redução do crime. Juntos em oração por território livre e casa comum a todos para desenvolverem potencialidades, expressões socioculturais, e a união pela fé cristã. Oramos também pela juventude rural para que viva no território, perseverantes na esperança. Fortalecidos pela experiência de Santa Bakhita, padroeira das pessoas sequestradas e escravizadas para encorajar compromissos pela libertação mesmo diante das conjunturas de opressão.
Vamos enxergar e agir com a realidade?
Conscientizar que o agronegócio não é pop, e sim que causa poluição por agrotóxicos, escraviza e mata.  Que não mais venhamos a julgar as pessoas que migram ou que foram escravizadas, também não julgar a juventude conceituando – a de preguiçosa e alienada. A luta é constante e Deus nos une para despertar o interesse pelo trabalho livre, construir um futuro de alternativas socioprodutivas nas comunidades, superando as imposições, valorizando as riquezas que o campo oferta. Una-se a juventude rural que diz não as ações mínimas e fragilizadas do Estado.
O amor e união são alianças do ecumenismo entre os diferentes que se integram e fortalecem a fé e esperança na luta por libertação e vida digna para todos/as.

* católica e assistente social

 

[A MÃO DE DEUS NOS UNE E NOS LIBERTA] ESTES NÃO SÃO HOMENS?

por Xavier Plassat, OP*

No relógio da história mundial, a proibição da escravatura é fato de última hora. No Brasil, último a abolir esse crime, a abolição tem apenas 130 anos e, olhe aí, a escravidão nunca cessou.

Pode se dizer que a prática da escravidão acompanhou a história da humanidade desde seus primórdios. É comprovada em documentos dos antigos impérios da Babilônia e papiros do Egito. Havia estatuto legal do escravo desde 1790 antes de JC. Por milhares de anos, permaneceu quase inquestionada a existência de uma não-humanidade ao lado da real. Nas suas cartas, o apóstolo Paulo tratou do assunto com naturalidade, conclamando que “aqueles que se encontram sob o jugo da escravidão tratem seus patrões com todo o respeito, para que o nome de Deus não seja blasfemado. Os que têm patrões que acreditam, não os desrespeitem, porque são irmãos.” (1Tm 6,2). O escravo seria mesmo um homem? Esta era a questão. O próprio Aristóteles o rebaixava à condição subumana e sugeriu que a relação mestre/escravo era mutuamente benéfica, à imagem da relação alma/corpo… Na Grécia – “mãe” das democracias – alguns eram chamados a ser cidadãos e outros a laborar para prover às necessidades dos primeiros. Alguns autores consideravam a escravidão física como um mal menor frente ao risco da escravidão moral ou espiritual (a do vício). Não falta hoje quem expresse quase o mesmo: frente ao mal do desemprego ou ao perigo da delinquência, qualquer trabalho não é melhor do que nada? Ao longo desta penosa história, não faltaram até justificações teológicas ou éticas: ao fim e ao cabo, a escravidão não decorre do pecado?

Não é de estranhar que os colonizadores da sua majestade mui católica tenham assumido essa ideologia da naturalidade da escravidão, da sua normalidade, pois essa era a teoria geralmente admitida nas esferas do poder… e da Igreja. Durante o século do Iluminismo – que viu filósofos se erguerem contra o absolutismo, o obscurantismo, a realeza e a Igreja – registrou-se o recorde absoluto do tráfico negreiro entre a Europa e as colônias (especialmente da França para Santo Domingo, futuro Haiti: mais de milhão de escravos africanos, sendo 270 mil somente na década de 1780… a da Revolução francesa). Quem entre os filósofos levantou voz contra esse mortal tráfico?

Vozes contrárias ao sistema da escravidão, essa estrutura fundante da organização social de todos os tempos, sempre foram raras exceções: tratar bem seu escravo era a máxima ressalva, propor-lhe o exercício da virtude como caminho da verdadeira liberdade, a linha de conduta. Aceitar sua sina como mal menor era o mote.

Nas Américas, os primeiros frades dominicanos ali chegados foram denunciantes contundentes da escravidão imposta pelo conquistador espanhol aos povos originários deste chão, e foram também ardentes e espertos idealizadores de políticas diferenciadas, questionando o sistema da conquista e revelando suas raízes mais profundas.

Tentaram mobilizar Deus e o mundo.

Não se pode dizer melhor que frei Antônio de Montesinos admoestando seus paroquianos da Ilha da Espanhola, todos donos de escravos: “Estes não são gente? Com que direito os escravizais?”. Movidos por compaixão e por razão, os frades desvelaram uma verdade inconveniente e passaram a cobrar mudanças radicais. Ficaram longe do pior pecado para um pregador: ficar calado. Isolado no século XVI, frei Bartolomeu de Las Casas se tornou um destes francos e incansáveis atiradores, incomodado pelo grito lançado pela comunidade dominicana de Montesinos no Advento de 1511.

Há de estranhar, sim, tamanha e tão constante cegueira da parte de quem confessa um Deus – Javé – que revelou seu nome ao se engajar na libertação de um povo cativo, escravizado no Egito. Desde sempre, nosso Deus foi aquele que escuta o grito dos oprimidos e o clamor dos cativos: “O jejum que eu quero é acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes da escravidão, pôr em liberdade os oprimidos e derrubar qualquer jugo, repartir a comida com quem passa fome… e não te recusar diante daquele que é tua própria carne.” (Is 58, 6-7). Deste Deus, Jesus se fez a testemunha fiel: “Pois eu tive fome e me destes de comer, eu era estrangeiro e me acolhestes, estava nu e me vestistes, doente e me visitastes, na prisão e viestes a mim. Garanto a vocês: cada vez que o fizestes a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25, 35-40).

Nos tempos modernos aqui no Brasil, não por acaso, a questão da escravidão foi arrancada da invisibilidade, no início dos anos 1970, graças às teimosas denúncias da Comissão Pastoral da Terra, provocadas pelo profético grito do bispo Pedro Casaldáliga (Uma Igreja em conflito com o latifúndio e a marginalização social. Carta Pastoral, 1971).

Ouvindo o clamor dos povos massacrados pelo avanço do capital sobre a Amazônia, Pedro permitiu que a Igreja acordasse de tão longa letargia e passasse a se engajar no combate ao trabalho escravo contemporâneo, na prevenção, na denúncia, no cuidado e no conforto às vítimas, e na cobrança de ousadas políticas públicas. Com a sua Campanha nacional “De Olho Aberto para Não Virar Escravo”, a CPT tem contribuído de forma decisiva nesse combate.

Tornou-se clássico observar que, no Brasil, existe um vínculo estreito entre apropriação da terra e aprisionamento do trabalho. A Lei Áurea de 1888, que libertou os escravos, sucedeu por poucos anos à promulgação da Lei de Terras de 1850, que aprisionou as terras: o Brasil escravagista podia sem perigo libertar seus escravos, na certeza de que a exploração do trabalho deles poderia permanecer, de qualquer maneira e por vários séculos, a serviço da minoria que há 500 anos se apoderou das terras, das matas e das águas. Tendo fechado o acesso à terra para quem não tivesse como adquiri-la, tornava-se supérfluo manter a senzala.

Concebida para garantir o monopólio da propriedade nas mãos da oligarquia, a Lei de Terras discrimina até hoje os sem-nada, originando o que a Corte interamericana de Direitos Humanos chamou há pouco de “discriminação estrutural histórica” (cf Sentença condenatória no caso da Fazenda Brasil Verde). Ela impediu que os escravos, ao serem libertos, pudessem ter acesso às terras públicas e legaliza-las como suas, pois nem os pobres, nem os negros tinham recursos para comprar essas terras (… que até então a Coroa havia mantido sob concessão de uso em prol dos donos das capitanias). Daí o Brasil se tornou o latifúndio que conhecemos, e o poder se manteve na mão de quem dele tem o domínio.

Escravização e concentração da propriedade andaram e continuam andando juntas, a serviço de um modelo predador de exploração, baseado em monoculturas de exportação, hoje rebatizado agronegócio.

Passados 500 anos de sua brutal invasão, esta terra, dádiva do Criador para o desfruto da vida em plenitude e fraterna convivência – terra de trabalho – continua reduzido à terra de negócio e de matança. Ao tornar-se só negócio, o “agro” também virou inferno. Dizem que agro é pop, agro é tec, agro é tudo. Idolâtrico!

O Brasil tem assim uma pesada herança de discriminação, exploração e desigualdade, pois o país foi se construindo com base na constante instrumentalizado do Estado pelas oligarquias de plantão, desde as primeiras capitanias hereditárias. Concentração de riqueza e de terra rima com concentração do poder político. Para muitos proprietários até hoje, contratar o trabalho de alguém é simplesmente conceder-lhe um favor, sem obrigação alguma. No plano cultural, operou-se uma naturalização da relação desigual, naturalização que afeta opressores e oprimidos. “Sempre foi assim e sempre será”. Em uma conjuntura de revanche e desmonte dos parcos direitos conquistados pelos grupos sociais mais vulneráveis, estão ressurgindo, como normais, práticas brutais de extorsão da mais-valia, de aparência arcaica, porém perfeitamente integradas nos vários ramos da economia globalizada. Práticas essas que o Papa Francisco chama de escravidão moderna e nos convida a combater sem trégua. São 40 milhões de vítimas hoje no mundo, segundo a OIT. No Brasil, 53 mil foram libertados desta condição nos últimos 23 anos.

Sim, são gente, homens, mulheres e crianças, esses milhões de pessoas tratadas pior que animais, humilhadas em condições degradantes, exploradas em troca de comida, presas a dívidas impagáveis. Filhos e filhas do mesmo Deus. Idólatras são aqueles que os mantêm em tão horrível exploração.

* Frade dominicano.

Semana de Oração pela Unidade Cristã | 2018

por Giovanna Araújo (Dijó)*

“Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue.” ROSA, José Guimarães. Grande Sertão: veredas.

Queridos irmãos e irmãs, hoje estamos dando inicio a mais uma Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC). É uma felicidade muito grande para o Movimento Juvenil Dominicano do Brasil, colaborar, rezar e estar juntos nessa semana que tanto nos agrega e nos faz mais próximos do Cristo.

Por meio da SOUC, conseguimos enxergar o quanto o ecumenismo se faz necessário em nossa vivência cristã. Se não estamos abertos para compreender a essência do “ser ecumênico/a”, não estamos preparados também para viver a tão sonhada unidade que o próprio Cristo nos propõe.

O ecumenismo é um processo intenso onde conseguimos enxergar que não precisamos ser da mesma denominação cristã ou da mesma religião, para nos respeitar e nos unir em prol de um projeto maior. Inicialmente os movimentos ecumênicos eram compostos somente por pessoas cristãs de denominações e tradições diferentes, hoje já existe uma inserção de outras religiões que possuem uma sensibilidade e um chamado para o diálogo inter-religioso.

O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) é consequência do diálogo entre as igrejas Católica Apostólica Romana, Evangélica de Confissão Luterana, Episcopal Anglicana e Metodista, e é referência do ecumenismo no Brasil. O CONIC é muito atuante na luta por direitos humanos e justiça social, sendo que há sempre muito zelo e compromisso em levar o evangelho em todas as causas em que se insere.

O evangelho nos convida a sermos um,  tal como o pai e o filho são. O papa Francisco vê o ecumenismo como um dom do céu que todos nós possuímos, segundo ele, o que falta é deixarmos esse dom aflorar em nós. Ele alerta também que não devemos enxergar as diferenças como algo negativo: “As diferentes tradições teológicas, litúrgicas, espirituais e canônicas que se desenvolveram no mundo cristão, quando permanecem enraizadas de modo autêntico na tradição apostólica, são uma riqueza e não uma ameaça para a unidade da Igreja”.

Nesse sentido o proselitismo religioso só nos atrasa e em nada nos agrega, já que para sermos pessoas ecumênicas não precisamos negar a nossa fé, muito pelo contrário, conseguimos reafirmar a nossa crença e nos tornar pessoas melhores por meio das experiências com nossos irmãos de denominações e religiões diferentes.

Na perspectiva de ecumenismo, somos convidados a nos unir em orações para alcançarmos a plenitude. Que a SOUC 2018 nos traga bons frutos, assim como as demais edições nos trouxe. Saravá, Amém, Salaam Aleikum!

* Promotora de Missão e Caridade do Movimento Juvenil Dominicano do Brasil