Carta aos leigos da Ordem dos Pregadores

EspaçoMissionário2018-MJD-02

Roma, 25/01/2018, festa da conversão de São Paulo

Estimadas irmãs e irmãos leigos/as da Ordem dos Pregadores,

É no espírito da celebração do Jubileu da Ordem que me dirijo a vocês que, durante estes próximos meses, prepararão o congresso internacional do laicado dominicano. Em todas as regiões, esta assembleia será indubitavelmente, um evento muito importante de celebração da graça dada a Ordem de ter irmãs e irmãos leigos como membros ativos de sua missão. Segundo a especificidade de cada região, também será uma oportunidade para considerar novamente a forma em que a vocação laica é, mais que nunca, essencial para que a Ordem integre, da melhor maneira possível, a proclamação da boa nova da vinda do Reino. Para toda a Ordem, e de acordo com a visão do congresso para a missão da Ordem que marcou a celebração do Jubileu em janeiro de 2017, expresso o desejo de que esta reunião seja motivo de uma exigente chamada a uma criatividade apostólica que integre verdadeiramente a participação específica dos leigos da Ordem. É assim que esta última poderá servir melhor ao mundo e a Igreja mediante a pregação. Oitocentos anos depois da determinação de Domingo de enviar seus irmãos aos quatro cantos do mundo conhecidos em seu tempo, me parece que este envio necessita hoje de uma atualização, não somente mantendo o interesse por uma dispersão “geográfica”, mas também buscando estabelecer a pregação da Ordem, enriquecendo-a com diversidade de culturas e de estados de vida e entendendo que é através da riqueza desta diversidade que a Ordem se encontra hoje chamada a manifestar sua identidade de ser apenas um “corpo de pregação” enraizado na comunhão em uma única chamada a “ser totalmente deputados, representantes da evangelização da Palavra de Deus”.

Como todos sabemos, a realidade das Fraternidades Laicas da Ordem é muito diversa segundo a região; seu dinamismo é desigual aqui e ali, e sua integração plena na vida da Ordem varia. Também sabemos como podemos demorar demais e gastar muita energia para nos questionarmos sobre a “identidade” dominicana das fraternidades sem que sempre se consigam os frutos da vida que esperamos. No entanto, como muitos de vocês, estou convencido de que a vida dos leigos da Ordem não virá de uma tensão nas formalidades e estruturas, mas na audácia de escutar o chamado feito à Ordem, porque é a Ordem dos Pregadores, para servir a missão da Igreja que, como Povo de Deus em peregrinação na história (Lumen Gentium), se converte incessantemente no que é chamada a ser proclamando a vinda do Reino. Não é este o caminho pelo qual nos guiam tantos dominicanos laicos, como Pier Giorgio Frassati ou Giorgio La Pira? Segundo o Concílio Vaticano II, é essencial recordar que os leigos mediante seu batismo são «feitos participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo » e «exercem na Igreja e no mundo a missão de todo povo cristão» (Lumen Gentium 31).

O símbolo da fraternidade

A eleição de referir-se aos membros laicos da Ordem não mais como “Terceira Ordem”, mas como “Fraternidades Leigas dominicanas” destaca um aspecto central da proclamação do Reino que, com toda a Ordem vocês estão chamados a desenvolver. Para Domingo, que desde o começo de sua missão em Languedoc quis que o chamassem de “Irmão Domingo”, a fraternidade está estreitamente conectada com a proclamação do Reino. Irmãos e irmãs que não se reúnem depois de eleger-se entre eles, mas que se recebem como amigos de Deus, aprendendo uns com os outros como converter-se em membros e atores de uma família de filhos e filhas do mesmo pai. Ser um símbolo de fraternidade no coração da vida secular é ser um sinal de que os humanos levam dentro de si a capacidade de viver como irmãos, ou seja, estabelecer entre eles relações que, assumindo sua diversidade, os unem em solidariedade na mesma filiação e no mesmo desejo de serem enviados a este mundo como testemunhas da Palavra e da vida da graça de Deus.

Durante as minhas visitas à Ordem, me convenço cada vez mais de que isto é para toda a Ordem, em cada ramo segundo seu próprio modo, uma forma de responder a chamada de Paulo VI quando no Evangelium nuntiandi escrevia: « O homem contemporâneo escuta com mais boa vontade aos que dão testemunho do que aos que ensinam […] ou se escutam aos que os ensinam é porque dão testemunho» (EN, 41). Como “pregadores da graça”, somos chamados a ser estas testemunhas, “parábolas da comunhão”, despertadores no mundo de todas as capacidades humanas para chegar a ser mutuamente irmãos e irmãs, no coração da história concreta da humanidade, que, então, se transforma. Ao escrever isto, também gostaria de ampliar meu objetivo mais além do que apenas um “ramo” da Ordem para enfatizar que, sob esta perspectiva, o próprio carisma evangelizador da Ordem não pode definir-se pela soma das diferentes “funções” dos evangelistas, mas são baseadas nesta realidade “quase sacramental” da incessante aparição da fraternidade humana. Também é frequentemente a experiência vivente da fraternidade que, por sua vez, nos leva a aprofundar nosso desejo da “proclamação do Reino”. Além disso, a partir do ponto de vista deste símbolo de fraternidade, me parece que podemos considerar a diversidade de formas “seculares” de estar vinculados à Ordem; não somente para ser aliados na realização de uma função, um projeto ou uma obra, nem para estar ligados apenas pela amizade com este ou aquele indivíduo ou comunidade, mas para participar na aventura de uma fraternidade que aspira a falar no mundo do que este mundo é essencialmente capaz. Neste sentido, creio que devemos mais do que nunca considerar juntos as diferentes formas em que os leigos desejam estar “vinculados” à Ordem de Domingo, ou seja, viver ao mesmo tempo a experiência da Igreja que o Espírito estabelece como fraternidade e convidar a outros para encontrar sua alegria nesta mesma experiência.

É dentro deste horizonte que gostaria de destacar alguns dos desafios que os leigos da Ordem devem ajudar a última a acolher e identificar pelo bem da missão de pregação de todos.

O evangelho da família

Como todas as realidades dominicanas, às fraternidades leigas e os grupos do movimento internacional da juventude dominicana, segundo seu próprio caminho (ou seja, essencialmente por um tempo limitado, já que a juventude passa!) – situam no centro de seu projeto a conversão por e à fraternidade. De certo modo, estas realidades fraternas complementam o que são às comunidades fraternas das pessoas consagradas, precisamente porque estas tomaram uma decisão que às situa de uma maneira nova na relação com sua própria família, enquanto que os leigos, ao escolher pertencer à Ordem como tais, escolhem fornecer esta nova pertença, esta nova forma de realizar o carisma de seu batismo como um dom frutífero dentro de sua vida familiar.

Me parece que ainda não colhemos coletivamente toda a riqueza desta escolha. Se a Igreja, em sua vontade de renovar em profundidade e radicalmente sua missão de evangelização afirma agora a necessidade do “Evangelho da família” (Amoris laetitia, 63), destacando que a família como tal (e se trata da família normal, não “ideal”, com suas alegrias e desgostos, suas belas e jubilosas realizações, assim como suas dolorosas mas às vezes férteis disfunções), deve ser completamente “agente da evangelização”, o que significa para a pregação da Palavra da verdade? Além disso, como podemos ajudar a descobrir, no coração da história do mundo, que a família é, em si mesma, evangelizadora, testemunho da graça de Cristo que é “graça da fraternidade”.

Dentro das famílias e na história de cada uma delas marcadas pelo êxito e pelo caos é onde o ser humano aprende o que significa converter-se em pai ou mãe, irmão ou irmã, filho ou filha. Estas realidades fundamentais da vida humana não são antes de tudo categorias morais e virtuosas sobre às quais a “Igreja” teria que oferecer um discurso teológico e moral que guie os comportamentos. São as realidade da vida humana através das quais todo ser humano está chamado a reconhecer a graça da revelação do Nome de Deus. Como muitos de vocês, posso atestar o fato de que muitas fraternidades são lugares onde todos e todas podem compartilhar livres e confiantes (e, claro, com medida e discrição) sua experiência familiar e encontrar o apoio que esperam. Me parece que as religiosas e os religiosos da Ordem que, naturalmente tem sua própria experiência pessoal de vida familiar mas que levam uma vida atípica neste sentido, necessitam ser educados pelas experiências de seus irmãos e irmãs leigos. Assim, a pregação de todos se beneficia da diversidade real das experiência crentes, que são lugares de inteligência da obra da graça. Me dirijo aos leigos da Ordem para que contribuam para a definição na Ordem, da maneira mais relevante, ao integrar o “Evangelho da família” no centro de suas pregações e ministério pastoral.

No centro da Igreja

Como em todas as outras ramificações da Ordem, a realidade comunitária – “parábola da comunhão”, retomando a bela expressão do Irmão Roger de Taizé – é uma parte integrante da evangelização da Palavra de Deus mediante a qual se constrói a Igreja. Obviamente, tem formas específicas na vida secular dominicana; entretanto, é essencial. Seu testemunho tem mais peso hoje uma vez que a Igreja me parece particularmente sensível à dimensão comunitária da fé compartilhada e a procura da verdade. Frequentemente se diz entre os leigos da Ordem que a fraternidade se nutre para vivificar os compromissos que muitos tem em sua própria paróquia, mas também por sua própria experiência e habilidades, para ir às fronteiras e esses “lugares de fratura” onde se desafia a justiça, a dignidade e o direito das pessoas e povos, onde a proclamação do evangelho é tão importante. É motivo de ação de graças o ver através da combinação das diversas formas de pertença à Ordem, as grande orientações da pregação da Ordem tão frequentemente mencionadas em nossos Capítulos.

Mas, além disso, o testemunho e a experiência das fraternidades devem encontrar no centro das comunidades eclesiais seu próprio papel a serviço da implantação da dimensão missionária da Igreja. Assim ocorre nas comunidades paroquiais, mais além do único “funcionalismo pastoral”, e sem confusão com os muitos movimentos apostólicos ou espirituais que os compõem. Mas também é o testemunho dos muitos leigos comprometidos fora das estruturas eclesiais usuais em muitas realidades sociais e culturais, manifestando assim a aspiração da Igreja de ampliar continuamente sua rede em direção às dimensões de mundos que hoje estão cada vez mais unidas.

Incluo aqui que a realidade demográfica dos leigos da Ordem em certas regiões nos convida a prestar atenção à forma que acolhemos, integramos e cuidamos das pessoas idosas entre nós: cada grupo humano, creio, revela algo de sua própria humanidade na forma em que assume com gratidão, responsabilidade e solidariedade para com os mais velhos.

A diversidade das experiências de fé em diálogo para uma proclamação comum

No Concílio Vaticano II, a Constituição Gaudium et Spes insistia que a Igreja podia ter a sorte de receber a experiência de um compromisso com as tarefas seculares do mundo vivido pelos leigos. Não se trata  principalmente de reforçar uma distinção entre o ministério “sagrado” e o compromisso “na realidade do humano”. Mas, mais uma vez, se trata de reconhecer com gratidão a diversidade da experiência na fé. O teólogo moral que procura tornar inteligível a complexidade da medicalização atual da procriação, por exemplo, não terá a mesma experiência de fé que o médico ou estudioso que através de sua rotina diária de consultas e intervenções, escuta os desejos e sofrimentos de seus pacientes. O homem ou a mulher de “igreja” que, frequentemente fascinados pelo potencial sem precedentes das novas tecnologias digitais, pretendem integrar-se nestas novas redes sociais para uma comunicação mais moderna e efetiva, certamente não tem as mesmas interrogações de fé dos leigos cristãos profissionais que diariamente são questionados pelo progresso e os poderes de uma técnica que continua seus avanços, excedendo o que jamais se poderia imaginar. Em muitos países onde está presente a Ordem, as realidades sociais, econômicas e políticas marcam a vida dos leigos de uma maneira muito diferente de como marcam as instituições da vida consagrada. A participação na vida secular como profissional e ator no mundo das empresas, da pesquisa e ensino, dos negócios ou no setor associativo, a preocupação ecológica ou a liderança em comunidades humanas dá um conteúdo à experiência de fé que deve integrar-se à dinâmica global da proclamação do Reino. A migração forçada por razões econômicas, políticas ou religiosas, as consequências da globalização para aquelas partes da população que são vítimas, no lugar de receber os benefícios, deixam um rastro na vida de muitas irmãs e irmãos leigos da Ordem e suas famílias, e nossa comunhão fracassaria na sua plena verdade se esquecêssemos esta realidade.

Da mesma forma, creio que é importante salientar a experiência específica dos leigos nos mundos contemporâneos no campo dos pluralismos religiosos que implicam não somente muitas sociedades, mas também frequentemente suas próprias realidades familiares ou profissionais. Estas realidades muitas vezes confrontam muito diretamente os leigos da Ordem com o ateísmo, agnosticismo, a indiferença religiosa, o ceticismo, inclusive a hostilidade contra o cristianismo e, às vezes, contra qualquer religião. Em muitas partes do mundo, os leigos da Igreja são os que mais diretamente se enfrentam com a intensa criação de novas igrejas evangélicas que afetam diretamente a si mesmas. São frequentemente os leigos, mais que o clero da Igreja, os que devem discernir e dialogar nestes contextos. Além disso, agora cristianismo, judaísmo, islamismo, grandes religiões da Ásia e religiões tradicionais da África se encontram num mesmo lugar e está claro que participam na construção de relações dentro da diversidade de nossas sociedades e marcam as vidas das famílias através de alianças e migrações. Portanto, os leigos ocupam uma posição privilegiada para notar que diálogo ecumênico e o diálogo inter-religioso são, hoje mais que nunca, uma prioridade para a missão da Ordem.

Neste contexto de pluralismo religioso, e também diante da ignorância, os preconceitos, os temores e todas as formas de repúdio que vemos aqui e lá com respeito às outras grandes religiões do mundo, a tradição da amizade, a confiança na capacidade de solidariedade humana e a reflexão crítica realizada em diálogo com outros em busca de uma maior inteligibilidade da verdade, nos impulsiona a ser mais que nunca, homens e mulheres de diálogo entre culturas e religiões.

Partindo de todos estes pontos de vista, os leigos dominicanos tem uma dupla responsabilidade, ad extra e ad intra (para fora e para dentro). A responsabilidade de participar na implantação da criatividade humana, inspirada na vida evangélica e o desejo apostólico, ao serviço da construção de um mundo habitável para todos. E também a de contribuir para integrar no centro da vida de toda a Ordem a profunda consciência de que uma fraternidade de pregadores está chamada a ser vulnerável a tudo o que fere o homem e a aprender em solidariedade com as vítimas e os marginalizados do mundo, para discernir os signos dos tempos em diálogo com aqueles a que a Ordem deseja transmitir a Palavra. O recente capítulo geral dos irmãos da Ordem, pedia a eles que se obrigassem, ao menos uma vez por ano, a estudar juntos o contexto de sua pregação. Me parece que fazer isto em diálogo com os leigos da Ordem seria extremamente frutífero para todos. É, creio, um serviço muito específico que a Ordem deve fornecer à Igreja: contribuir para que a experiência da fé em conversação com o conhecimento e as práticas contemporâneas contribuam para a elaboração de uma inteligibilidade teológica da conversação de Deus no mundo.

Os mundos dos jovens

No centro desta leitura do contexto da evangelização, se deve conceder um lugar privilegiado à atenção para as realidade experimentadas pelos jovens. Desde todas as perspectivas, os jovens representam os que abrirão novos caminhos para o futuro assim como os que buscam a transmissão das tradições e culturas que os precedem. São dessa vez os que aprendem mais rápido a controlar muitos dos avanços do mundo moderno e aqueles que este mundo esquece, marginaliza ou instrumentaliza com facilidade. São os mais expostos à erosão das crenças religiosas argumentadas criticamente mais além das únicas reações emocionais assim como os mais profundamente marcados pela “interculturação” que caracteriza os mundos contemporâneos. O Papa Francisco, ao convocar o próximo Sínodo dedicado aos jovens, à fé e ao discernimento vocacional, convida toda a Igreja a pôr este tema no centro de sua reflexão. A raiz de sua vida familiar e profissional, os leigos da Ordem estão na linha de frente, me parece, para estimular toda a Ordem a responder a esta chamada do Papa.

Por esta razão, de uma maneira muito particular, quis convidar toda a Ordem a tomar parte na preparação de tal sínodo, com base aos muitos compromissos dos irmãos, irmãs e leigos nos mundos, culturas e atividades nas quais os jovens são o centro e motivo. Também por esta razão, me parece tão essencial promover neste momento o movimento juvenil internacional dominicano (IDYM ou MJD) que dentro da Ordem oferecem a possibilidade aos jovens de dar a sua vocação de jovem cristão este tom particular de evangelização no estilo de São Domingos. Se bem temos em muitos aspectos muitas experiências bonitas de “pastoral juvenil”, este movimento se fundou para dar aos jovens a possibilidade de desenvolver eles mesmo iniciativas pastorais, as discernindo na raiz dos elementos estruturais da evangelização segundo a tradição dominicana. Mais uma vez neste campo, esta tradição poderá mostrar sua grande riqueza para promover a autonomia e a criatividade específica de cada um e afirmar aos mesmo tempo o grande valor do diálogo intra e intergeracional para o melhor serviço da proclamação do Reino.

Uma fraternidade de discernimento e de <<acompanhamento de vida>> mútuo

Também desejo mencionar aqui uma questão que se apresenta repetidamente em muitas fraternidades e em todas as culturas onde a Ordem está presente: as situações conjugais chamadas “irregulares”. Em sua Exortação Apostólica Amoris laetitia, o Papa Francisco, enfatizando o discernimento necessário da grande diversidade em tais situações, insiste em dizer: <<Se trata de integrar a todos, se deve ajudar a cada um a encontrar sua própria misericórdia <<imerecida, incondicional e gratuita>>. Ninguém pode ser condenado para sempre, porque essa não é a lógica do Evangelho!>> (AL, 297). Prossegue mencionando o consenso geral ao qual chegaram os Padres sinodais: <<À respeito de um enfoque pastoral dirigido às pessoas que se casaram no civil, que são divorciadas e voltam a se casar, ou que simplesmente convivem, compete à Igreja revelar a divina pedagogia da graça em suas vidas e ajudar a alcançar a plenitude do desígnio que Deus tem para eles>> (AL, 297). Se referindo aos batizados divorciados que voltaram a se casar civilmente, o Papa retoma a posição expressa no Sínodo por muitos, que diz que eles <<devem ser melhor integrados na comunidade cristã nas diversas formas possíveis, evitando qualquer ocasião de escândalo. A lógica da integração é a chave de seu acompanhamento pastoral, para que não somente saibam que pertencem ao Corpo de Cristo que é a Igreja, mas também possam ter uma experiência feliz e fecunda. São batizados, são irmãos e irmãs, o Espírito Santo derrama neles dons e carismas para o bem de todos. Sua participação pode expressar-se em diferentes serviços eclesiásticos: é necessário, para isto, discernir entre as diversas formas de exclusão atualmente praticadas no âmbito litúrgico, pastoral, educativo e institucional, as quais podem ser superadas. Eles não só não tem que sentir-se excomungados, como também tem que sentir que podem viver e amadurecer como membros vivos da Igreja, sentindo-a como uma mãe que os acolhe sempre, os cuida com afeto e os anima no caminho da vida e do Evangelho. Esta integração é também necessária para o cuidado e a educação cristã de seus filhos, que devem ser considerados o mais importante>> (AL, 299). Certamente, como escreve o Papa, há uma grande diversidade de situações mencionadas durante o Sínodo, sem esquecer as situações que vivem os batizados homossexuais, e é importante promover <<um responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares, que deveriam reconhecer que, posto que <<o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos>>, as consequências ou efeitos de uma norma não necessariamente devem ser sempre as mesmas>> (AL, 300). Me parece que estas reflexões são particularmente relevantes para ajudar a nossas fraternidades a abordar com serenidade casos em que se devem acolher e integrar às fraternidades a irmãos e irmãs que vivem estas situações. A questão não deveria ser se devam acolher ou repudiar, mas sim pensar como sua pertença a uma fraternidade pode ser uma das formas em que a Igreja os acompanhará e acolherá o desenvolvimento dos próprios dons recebidos do Espírito. Certamente as fraternidades leigas da Ordem não deveriam ser lugares em que não se respeitem as regras da Igreja ou lugares onde a “dispensa excepcional” destas regras se possa conceder com facilidade. Se trata mais de assumir um duplo compromisso. Por uma parte, ser um lugar de acolhida, discernimento e acompanhamento: <<Quando se encontra uma pessoa responsável e discreta, que não pretende pôr seus desejos acima do bem comum da Igreja, com um pastor que sabe reconhecer a seriedade do assunto que tem em mãos, se evita o risco de que um determinado discernimento leve a pensar que a Igreja sustenta uma dupla moral>> (AL, 300). Por outra parte, também o compromisso de assegurar que a realidade do <<sinal de fraternidade>> que as Fraternidades leigas da Ordem tem a missão de oferecer na Igreja e no mundo, inclua a realidade sempre incompleta e imperfeita da existência humana que inicia o caminho de conversão em resposta à chamada para a santidade. Portanto, depende de nós, segundo o caso, encontrar juntos as formas de viver, celebrar e pregar em nossas fraternidades, tendo em conta a situação dos membros vinculados pela solidariedade fraterna. Me parece que este é um desafio particularmente importante para nossa Ordem que todos os dias dá graças por ter sido chamada a ser pregadora de graça e misericórdia, <<verbo et exemplo>>. Portanto, convido a todos os priores provinciais e responsáveis provinciais dos leigos dominicanos para que incluam este tema na ordem do dia da reflexão em suas províncias com atenção à missão dos leigos na Ordem para definir modalidades concretas de acolhida e acompanhamento dos irmãos e irmãs afetados por estas situações. Os peço para que o façam em diálogo com os Ordinários locais e que apresentem um comunicado de suas conclusões durante os capítulos provinciais dos leigos e dos irmãos e uma síntese durante o próximo capítulo geral.

Talvez alguns de vocês tenham esperado que esta carta abordasse questões mais relacionadas com os problemas estruturais de nossas Fraternidade: ajustes necessários da Regra, modalidades para formação, estruturas de “governo”, modalidade da vida dos leigos na “província”, status e papel das assembléias regionais… Tudo isto é importante, e incentivo às regiões que tenham abordado estes temas a compartilhá-los antes da assembléia de modo que esta última possa debatê-los e propor pautas, segundo corresponda. Mesmo assim, estes temas devem se abordar serenamente e sem tensão, para não considerar às fraternidade como um fim em si mesmas, mas sim segundo seu próprio fim: estar à serviço da proclamação da Palavra. Por isso insisto que estas adaptações necessárias de nossas estruturas devem manter sempre como principal horizonte, porque é o horizonte da vida, os desafios da evangelização que a Ordem deseja enfrentar reforçando a comunhão fraterna entre todas suas ramificações. Ao ter como fonte e horizonte tal determinação para a evangelização, as estruturas realmente darão todos seus frutos. E também, quando esta determinação é simples e exigente, é quando alguém pode definir como adaptar as estruturas para satisfazer novas necessidades, novas chamadas de leigos que desejam que o carisma de seu batismo se desenvolva à luz da intuição evangélica e apostólica de Domingos. Por acaso não difundiu este último gradualmente seu desejo de dar à Igreja uma Ordem de Pregadores acolhendo aqueles que, reconhecendo a relevância de sua intuição, pediram que os acolhesse?

Muito fraternalmente,

Frei Bruno Cadoré, op

Mestre da Ordem dos Pregadores


Tradução: Geovana Brito, Maryane Lopes e Mayara Jacomassi.

Para acessar a carta original, clique aqui.

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